Por Rico Olivetti
Em um movimento que reflete as turbulências recentes no mercado de tecnologia, fundos de capital de risco (VC, na sigla em inglês) estão sendo negociados com descontos significativos no mercado secundário. O fenômeno marca uma mudança drástica em relação ao boom da última década, quando participações em startups eram vistas como ativos premium e praticamente intocáveis. Agora, investidores institucionais e familiares buscam liquidez em um ambiente cada vez mais incerto.
O que está acontecendo?
Tradicionalmente, fundos de venture capital operam com horizontes de longo prazo, geralmente entre 7 e 10 anos, até que as startups investidas sejam vendidas ou façam sua abertura de capital (IPO). No entanto, com o esfriamento do mercado de IPOs, o aumento das taxas de juros e o aperto no financiamento de startups, muitos fundos estão demorando mais para gerar retornos.
Como resultado, cotistas — incluindo grandes universidades, fundos de pensão e family offices — estão recorrendo ao mercado secundário para vender suas participações. A novidade é que essas participações estão sendo ofertadas com descontos expressivos, que variam entre 30% e 60% em relação ao valor declarado pelos fundos.
O que motiva os vendedores?
O principal fator é a necessidade de liquidez. Muitos investidores que apostaram pesado em venture capital durante os anos de euforia (2020-2021) agora precisam reequilibrar seus portfólios, reduzir riscos ou simplesmente ter capital disponível para novas oportunidades mais conservadoras.
Além disso, com a correção no valuation das startups — muitas delas agora valendo bem menos do que há dois anos —, os investidores preferem assumir um prejuízo controlado agora do que correr o risco de perdas maiores no futuro.
“Estamos vendo um movimento defensivo”, explica um gestor de mercado secundário. “Muitos investidores preferem vender com desconto do que esperar indefinidamente por uma saída incerta.”
Quem está comprando?
Apesar do pessimismo generalizado, há compradores atentos. Fundos especializados em operações secundárias, hedge funds e investidores oportunistas estão aproveitando os descontos para adquirir participações que, embora desvalorizadas no curto prazo, ainda podem gerar retornos significativos no longo prazo.
Empresas como Hamilton Lane, Blackstone e Coller Capital ampliaram suas operações no mercado secundário, apostando que muitas das startups nos portfólios vendidos sobreviverão à crise e se valorizarão novamente.
Uma mudança estrutural no mercado?
Especialistas debatem se o atual movimento é apenas uma correção cíclica ou uma mudança estrutural no ecossistema de venture capital. Durante anos, o VC foi impulsionado por um ciclo de excesso de liquidez, que alimentou valuations inchados e investimentos em empresas com modelos de negócios frágeis.
Agora, com a elevação dos juros e o aumento da seletividade dos investidores, o mercado parece estar migrando para uma nova fase, mais cautelosa e menos dependente de promessas de crescimento sem rentabilidade.
“A venda de fundos com desconto reflete não apenas a necessidade de liquidez, mas também um ceticismo crescente em relação às perspectivas de muitas startups”, afirma uma analista da PitchBook.
O impacto sobre as startups
A pressão no mercado secundário também afeta diretamente as startups. Menos liquidez para os fundos significa menos recursos disponíveis para novas rodadas de investimento. Além disso, valuations mais baixos nas negociações secundárias podem influenciar negativamente as futuras avaliações das startups em rodadas primárias.
Por outro lado, o cenário pode favorecer startups com fundamentos sólidos, que conseguem atrair capital mesmo em tempos difíceis, enquanto elimina aquelas que dependiam exclusivamente de financiamento contínuo para sobreviver.
O que esperar daqui para frente?
O consenso entre analistas é que o mercado secundário de participações em fundos de venture capital continuará ativo e oferecendo oportunidades para compradores com apetite por risco e horizonte de longo prazo.
Ao mesmo tempo, a venda de fundos com desconto é um sinal claro de que a era do “dinheiro fácil” no ecossistema de startups ficou para trás. O mercado caminha para uma fase mais madura, em que liquidez, rentabilidade e disciplina na alocação de capital serão as palavras de ordem.
Um ambiente cada vez mais volátil
A venda de fundos de venture capital com desconto é um dos sintomas mais visíveis de um mercado em transição. Para uns, é a oportunidade de comprar barato e apostar na retomada futura da inovação. Para outros, é o momento de cortar perdas e se proteger de um ambiente cada vez mais volátil. O que é certo é que o venture capital não será mais o mesmo após este ciclo de ajuste.